O menino, a praia e gostar de peixe azul
Fui pescador da arte da xávega na Costa de Caparica. Andei ao mar com o Alemão, com o Corvo e com o Zé Braço (e filhos, Zé Aires e Bernardino) para mal dos pecados do meu pai e principalmente da minha mãe, que não dormia enquanto eu não chegasse…
Às algas, entre o Tarquínio e o Paraíso, há 40 anos…
O melhor carapau do mundo, o ouro branco da Fonte da Telha
Foto de Francisco Santos, 2007
Embarquei ao remo e aparelhei barcos, sempre com a recoveira carregada e bem carregada. Sei fazer redes de 3 panos, sei cosê-las e tambem sei largar um estramalho a cercar um esporão. Aprendi a fazer aparelhos com 200 e 300 anzóis, aparelhá-los numa canoa de verga e a largá-los também. Aprendi a pescar assim ao robalo, em dias de inverno rigoroso.
Quando ia ao mar com a companha, levava um maço de SG Gigante que era o que eu fumava e levava um de Kentucky, para os cravas.
Comia peixe que nunca passou pelo estreito de muita gente, deixava alguidares de peixe vivo à porta de casa e corria logo para a praia, para ajudar a montar toldos e barracas. Mergulhava em apneia no Scott, cargueiro de chumbo afundado em frente à Nova Praia, que tinha mexilhões com 15 cm de comprimento. E safios de 2 metros. E fanecas aos milhares.
Eu e o Eduardo, na praia do Paraíso, Caparica
Havia uma manobra de pesca, que era quando a camarinha e o krill se aproximavam da costa e o carapau vinha atrás para comer…chamava-se “ir ao mar óver-dia” que penso que queria dizer “a-ver-o-dia” porque em vez de pescarmos do pôr do sol até de madrugada, pescávamos da madrugada até nascer o sol, mais perto de terra. Lembro-me de uma destas safras ter rendido 200 caixas de carapau e de ter ganho 5500$00 à minha parte, mais de meio mês de trabalho comparando com o salário de recepcionista de hotel na altura…
E todos, mais ou menos, repartiam assim o saco (todos os arrais tinham um saco de pano, com as contas “de exploração”)
- 3 partes – para o dono da arte – uma por ele, uma pelo barco, outra pela rede
- parte e um quarto – para quem largava a rede e alava, ou remador experiente
- 1 parte – para os adultos que embarcavam e alavam
- 3/4 de parte – para adolescentes trabalhadores que alavam e ajudavam a aparelhar o barco
- 1/2 parte para as mulheres que ajudavam a alar e a escolher peixe
- 1/4 de parte - para os gaiatos que colhiam e enrolavam a corda
Uma das maiores mágoas que guardo, é por causa da cavala e a sarda. Há sítios onde a cavala custa mais cara que o camarão, hoje em dia. Pensar que deixávamos toneladas no areal, de madrugada. Sem ninguém para as aproveitar. Não compensava nem era justo levar caixas para a lota e pagarem-nos 60$00 por 20 kg de peixe e no dia a seguir na praça, custar 200$00 o kilo aos veraneantes.
Na altura a cavala, o sarrajão, a sardinha e o chicharro eram “peixe azul” (dito com desdém) ou raimoso. Hoje têm Omega3 e já são o máximo.
Pelo menos os meus amigos que ao longo da vida foram cavala-evangelizados por mim, sabem que não era à toa que descrevia o peixe como sendo maravilhoso…e uma cavala de Julho, escalada e assada sobre brasas de bom carvão é uma delicatessen!
Aprendi a fazer caldeiradas, pitaus de ratão e raia, ameijoas japónicas da Trafaria e canivetes do Bugio. Aprendi a apanhar cadelinhas(conquilhas) grandes e a escolher as marés melhores para o fazer.
E assim cresci e me fiz homem nos areais da minha terra. Da minha Costa, porque fui concebido e criado nela. Nasci naquela casinha de outro senhor da Costa, o Alfredo, às Picoas. Onde nasceu meia Lisboa.
Obrigado também ao mar e aos homens do mar, que me fizeram conservar este menino que se emociona a contar-vos isto…
Take my love,
Joe Best
5 estrelas.
Sou dessa época, passei muitas ferias nesse local, vivi um pouco dessa vida.
excelente registo, encontrei este post quando pesquisava sobre o scott.
parabéns.